10 sequências de créditos iniciais

1 – É impossível não falar de créditos iniciais sem o nome de Bass surgir de um buraco. O casal de Saul e Elaine revolucionou esta pequena arte dentro da própria arte do cinema e deixou-nos alguns exemplares incríveis. Enumerá-los é entrar numa espiral de bom gosto cinematográfico: Psycho, North by Northwest, Anatomy of a murder, The man with the golden arm, The seven year itch, Spartacus, West Side Story, Casino, Goodfellas… No entanto, destancando uma, e mesmo reconhecendo que “Grand Prix” possui das mais cool sequências de créditos de sempre, é impossível contornar “Vertigo”. Clássica pelo design, prende-se à perturbante banda sonora de Bernard Herrmann e coloca-nos logo nas várias vertigens do filme: o erotismo de uma boca, as vertigens da altura e os labirintos das mentiras e ambiguidades expressas num dos melhores filmes de Hitchcock, que tantas vezes usou o talento de Bass para pôr o espectador em sentido e em tensão mesmo que uma única das suas imagens tivesse surgido no ecrã

2 – Muitas vezes, a intenção destas sequências é deixar-nos logo de boca aberta, lançar um calafrio, provocar espanto. Isso pode ser conseguido de várias maneiras: com imagens de tal beleza que fazem o oxigénio parecer supérfluo, como “The fall”, de Tarsem; a simples precisão estética de “Drive”, de Winding Refn; ou o plano que se afasta da Terra e deixa para trás todo o Cosmos em “Contact”. Mas se falamos de espaço e de maravilhamento, “2001” é o nome mais óbvio. Como quase tudo o que tem de revolucionário, é incrivelmente simples. O plano do alinhamento cósmico dos nossos 3 objectos astronómicos (Luta, Terra, Sol) ao som de “Also Spracht Zaratustra” de Strauss. A Lua dá lugar à Terra e por detrás do nosso planeta, o sol brilha em esplender, celebrando com a sua luz a evolução da nossa espécie, que é um dos temas do filme, e o fascínio eterno das estrelas sobre o espectador.  Num minuto, condensou-se um filme complexo e Kubrick mostra ao que vem: entregar a Maravilha.

3 – Apesar do cuidado de nomes como Wes Anderson, poucos realizadores na actualidade usam uma sequência de créditos como David Fincher. Demiurgo como poucos desde Kubrick, Fincher concebe o filme como algo total e se puder lançar o espectador para o meio da arena logo nos primeiros segundos, tanto melhor. Sejam o som e a fúria da abertura de Fight Club, a elegância de nomes a flutuarem Manhattan como balões de “Panic Room” ou o mundo psicológico de Lisbeth Salander no peso e delírio de “The girl with the dragon tattoo”, Fincher sabe o que faz com as suas sequências iniciais. Poucas foram mais revolucionárias, ainda assim, que a de Seven. Influenciou trezentas e tal sequências desde então e é tétrica e perturbante, com uma remix de “Closer”, dos NIN a dar o tom, reflectindo a mentalidade de um vilão que só conheceremos uma hora e pouco depois. Os livros que se vêem foram feitos à mão e Kyle Cooper, que editou e filmou esta sequência, usou várias técnicas para salientar o negro e o efeito tremelicante dos próprios créditos

4 – Também fora dos Estados Unidos se encontram grandes sequências que abrem filmes. Uma que me ocorre sem pensar muito é a de “Les parapluies de Cherbourg”, do francês Jacques Demy. O realizador construiu a carreira em torno do romantismo no cinema, muitas vezes expresso em musicais, e na sua obra mais conhecida, o genérico é uma delícia. Num plano que começa por enquadrar a cidade portuária que dá título ao filme (um pormenor importante na história), o que se segue é um desfilar de guarda-chuvas de várias cores, coreografados com o pano de fundo de uma calçada de pedra. Coreografado por Jean Fouchet e acompanhado por um belo tema composto por Michel Legrand, é em simultâneo uma homenagem ao clássico musical norte-americano “Singing in the rain” e uma celebração da beleza das coisas simples e também das emoções fortes.

5 – A opção pelo plano único marca também a melhor sequência inicial da carreira de Scorsese, e um dos momentos mais altos da História do Cinema. Abre “Raging bull”, obra suprema sobre culpa, ferocidade e a vida como chapa gasta.  Soam os acordes iniciais do Intermezzo da ópera “Cavalleria rusticana”, de Pietro Mascagni, e a escuridão do ecrã liberta a poderosa imagem de um ringue como uma jaula, onde um animal, talvez o touro enraivecido do título, executa uns socos em câmara lenta, caminhando de um lado para o outro, ansioso, coberto por um roupão. A névoa do fumo de cigarro envolve-o, flashes de máquinas fotográficas acossam-no e rodeando esta prisão, filas indistintas de espectadores. Tudo isto num preto e branco fantástico, usando a celestial composição de Mascagni num contraditório da raiva do boxe. Quando perguntaram mais tarde a Scorsese qual era a imagem mais emblemática do seu cinema, o nova-iorquino não teve dúvidas e escolheu esta, que é, em simultâneo, tudo o que precisamos de saber sobre o que Raging Bull tem a dizer,

6 – Mais do que estabelecer o tom de um filme, uma sequência inicial pode contextualizar o argumento, seja com informações históricas ou narrativas. Tal pode ser conseguido de forma brilhante, seja através da crónica história do Médio Oriente no século XX no começo de “The kingdom”; a contextualização da Los Angeles dos anos 50 de LA Confidential ou a estilizada e agitada introdução dos principais personagens de Snatch, de Guy Ritchie. No entanto, e porque dificilmente algo seu aparecerá num destes top 10, é difícil superar a brilhante entrada em Watchmen, a adaptação de Zack Snyder a partir da obra seminal de Alan Moore. Usando “The times are a-changin’” de Bob Dylan, percorre a história dos Minutemen, um grupo de heróis que antecede os homónimos que dão título ao filme e pelo meio apresenta uma história alternativa do mundo. Tudo num slo-mo (falamos de Zack Snyder, com fotografias em movimento detalhadas, pequenos pormenores de quotidiano (um polícia e observar o decote de uma super-heroína enquanto esta é fotografada por jornalistas) ou mesmo de cultura popular (um dos Minutemen salva os pais de Bruce Wayne). Snyder apropria-se de momentos históricos do século XX norte-americano e estabelece tensões, costumes e motivos que servirão a história do filme. Tudo isto com um impecável estilo e, surpreendentemente, sobriedade imagética

7 – Sequências de créditos podem ser também máquinas de fazer rir. Há comédias que estebalecem, desde logo, o seu sentido de humor desde o começo, e quando bem feitas, quase são curtas-metragens humorísticas tão boas ou melhores do que aquilo que se segue. Desde todas pertencentes à trilogia “Austin Powers”, passando pelo tema demasiado Beach Boys sobre surf e tiro aos pratos de “Top Secret”, ou os delírios de Terry Gilliam em “The meaning of life”. A minha escolha, não havendo a regra das franchises, seria a icónica abertura de “The naked gun”. No entanto, este top não fica mal servido com o início de “Zombieland”. Subvertendo um recurso estilístico mais ligado à acção, a câmara super-lenta, o filme estabelece desde o início que mais do que criaturas de terror, os zombies são emprecilhos à vida quotidiana, onde os mortos vivos atrapalham coisas tão corriqueiras quanto casamentos, idas ao clube de strip ou jogos pai-filho na escola, Tudo isto ao som de “For whom the bell tolls”, dos Metallica. Delicioso gore e divertidamente negro.

8 – Muitas vezes, este tipo de sequências estabelecem um personagem de uma maneira mais elaborada que de “Raging Bull”. Em “Le fabuleux destin d’Amélie Poulain”, a obra delirante, inventiva e certeirinha nos alvos do coração de Jean Pierre Jeunet, os créditos seguem uma pequena introdução do filme e fixam logo, em pequenos momentos de alegria infantil, o mundo mental da protagonista: amante dos pequenos prazeres, criativa no quotidiano e uma solidão que despoletará muitas das intrigas do filme. Tudo isto ao som da encantadora banda sonora de Jean-Pierre Jeunet e filmado com um tom quase de technicolor fantasioso de Bruno Delbonnel. É simples e, no entanto, existe lá dentro um mundo.

9 – Antes que nos acusem de sermos racistas, algo que até foi lançado contra o filme anterior, destaquemos um dos filmes fundamentais do movimento afro-americano: “Do the right thing”, de Spike Lee, abre com uma mulher, a actirz Rosie Perez, dançando. Ao som de “Fight the power”, dos Public Enemy. Podia ser simplesmente isto, mas é um acto que condensa logo toda a importância e temática desta obra: a estética, o movimento, o cruzamento perfeito da emancipação negra e do cinema. Fã de musicais, Lee quis que Perez dançasse defronte da projecção de imagens de Brooklynn, onde decorre a acção do filme. O espectador quase consegue sentir de imediato o calor do dia que aí vem…

10 – Começámos com Saul Bass. Terminamos com a prova de que este notável artista continuou a inspirar outros depois da sua morte. “Catch me if you can”, de Steven Spielberg, é old school de várias maneiras, desde a banda Sonora jazz de John Williams até à evocação dos anos 50 e 60. A sequência de créditos reflecte esse espírito, e o título do filme, num jogo de gato e rato entre duas personagens. As linhas são estilizadas, as transições entre segmentos inventivas e fluidas, o ritmo simplesmente perfeito. Começa com a perfeição do mundo de um homem habituado a enganar, até se dissolver revelando a sua verdade mais negra e escondida. Desenhado pela equipa francesa Deygas/Kuntzel, é a prova de que uma ideia boa é clássica e não ultrapassada. Como as grandes aberturas que aqui recordámos, o que interessa, sempre e eternamente, é o Cinema.

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