“Being there” - O jardim dos equívocos
Não me lembro de alguma vez ter visto o nome de Hal Ashby incluído numa lista de melhores filmes ou obras definitivas, mas isso muda já hoje porque urge que o público conheça “Being there”. Torna-se difícil classificar o filme (sátira política? Imaginação metafísica? Retrato dos tempos modernos?), e no meio de uma década de 70 revolucionária no que ao Cinema norte-americano diz respeito, esta obra escapou-se por entre as frinchas das películas.
“Being there” fala-nos de Chance, um homem de meia idade com um atraso de aprendizagem, que toda a vida viveu numa casa em Washington. Apenas conhece o mundo através da televisão, e o seu mundo é um jardim e o espaço onde habita, protegido por um homem rico. Quando este morre, a casa é vendida e Chance posto na rua. Por entre coincidências e idiotices várias, este simplório inexpressivo vê-se como conselheiro das maiores elites económicas e políticas dos EUA, cada um dos seus aforismos bacocos sobre plantas e árvores sendo interpretado como faróis que iluminarão o futuro do país. Praticamente ninguém se apercebe que está perante um homem sem qualquer noção da realidade, que se passeia pelas ruas com o comando da televisão como se pudesse alterar o mundo simplesmente premindo o botão. Peter Sellers, naquela que é, opinião deste que vos tenta convencer, uma das grandes performances da Histórica do Cinema, interpreta este personagem com a ambiguidade de quem não entende o mundo, mas acima de tudo, de quem está vazio de personalidade, e toma emprestada a realidade a partir de outras pessoas e de outros meios. Se tantas performances vivem de histrionismo e a pura expansão de um habitat emocional, Peter Sellers, habitualmente conhecido pelos seus papéis cómicos de largura, apaga-se aqui por completo, usando uma voz monocórdica, uma presença apagada. Sellers torna-se em simultâneo uma superfície opaca e um espelho, e só por isso “Being there” merece estar num livrinho debruado a ouro.
Chance, que por se apresentar como jardineiro (gardener) ganha o nome de Chauncey Gardiner, é um alienado pelos media, uma tábua rasa onde homens inseguros e sem ideias projectam as suas ânsias e receios e onde uma classe dirigente que não faz a mínima ideia do que é visão de futuro tenta retirar sabedoria: de um homem com um atraso mental e dificuldades de aprendizagem.
Se falamos de relevância, há lá coisa mais actual do que isto nos tempos que correm?