Gena Rowlands - Aqui não há Meryl

É muito tentador ver Gena Rowlands como a Meryl Streep do cinema independente norte-americano. Tal como a vencedora de três Óscares, Rowlands é a face e supremo talento de interpretação de um Cinema mais fora dos grandes e até pequenos estúdios, na carreira que desenvolveu principalmente com o marido John Cassavettes. Mas Rowlands era muito mais do que isso, uma actriz de técnica, mas puro instinto, uma enorme sensibilidade capaz de abarcar toda a experiência humana e fazê-la sentir genuína e não representada. Nas cenas, vivia no momento e sem medo. Se Streep sempre simbolizou a excelência da técnica, Rowlands, no ecrã, era a alma do mundo. 

 

A actriz é uma espécie de segredo dos cinéfilos, daqueles que acompanham a Sétima Arte e os seus recantos escondidos; o leigo deverá tê-la descoberto em “The notebook”, um filme que fez provavelmente porque o seu filho era o realizador. Mas quem observar fotos publicitárias tiradas no início da sua carreira, nota que Rowlands tem todas as características para se integrar numa carreira na Hollywood clássica - alta, pele branca, fulvo cabelo e porte de jovem mulher capaz de abrir a si mesma as portas da sociedade com os olhos. Nas cartas estava o destino de outras louras do período, mulheres nascidas no centro da América rural cuja beleza as destinava ao cosmopolitismo do espectáculo, mulheres como Grace Kelly ou Kim Novak – curiosamente, Rowlands participou várias vezes na série “Alfred Hitchcok presents”. No entanto, conheceu Cassavettes, John, que como Rowlands recebera uma educação artística e começara carreira na Televisão, ambicionando uma passagem para o Cinema. Mas a sua carreira no grande ecrã, que incluiu filmes hoje clássicos como “Rosemary´s baby” e “The dirty dozen” sempre teve como fim arranjar dinheiro para produzir e realizar os filmes que realmente queria fazer; e Rowlands foi arrastada para essa órbita, na qual faria nome. 

Foram dez filmes juntos, invariavelmente com a mesma trupe de actores, incluindo Peter Falk ou Ben Gazarra, mas alguns deles são o derradeiro legado desta actriz impossível de ignorar na imagem: “Opening night”, “A woman under the influence” ou “Gloria” mostram-na como alguém impossível de capturar verdadeiramente em câmara, algo que só o marido, talvez porque a conhecia tão bem – e às suas dores, algumas delas causadas pelo seu comportamento – conseguiu com maior sucesso. São obras onde podemos assistir a uma verdadeira aventura de alguém desbravando sem medo o tipo de personagens, comportamentos e atitudes que uma boa parte do cinema americano da altura evitava, com fidelidade à arte, com um compromisso tremendo com a honestidade, sem vaidade, com o único objectivo de quebrar a barreira que habitualmente existen entre um actor e um espectador fora do teatro.

Rowlands trabalharia com outro realizador conhecido pelos fortes papéis que dava a mulheres, Woody Allen, em “Another woman”, mas a sua filmografia fora da órbita do ex-marido é escassa. Nomeada duas vezes ao Oscar de Melhor Actriz, apenas venceria uma estatueta honorária em 2015. A modéstia de Rowlands estendeu-se ao discurso, onde dois terços são passados a falar da sua actriz preferida, Bette Davis, e de uma historieta que decorre num filme que gravaram juntas e o outro terço de Cassavettes. Na historieta, Davis queixa-se do seu aspecto; Rowlands ignorante sobre isso, sobre si mesma no ecrã e no fundo, resume o que trouxe de novo: Bette Davis era uma grande actriz, mas presa a uma certa ditadura vinda de um código que orientou as actrizes de Hollywood durante quase seis décadas. Rowlands é o símbolo da mulher artista libertada. Pondo todo o mundo cinematográfico sob a sua influência. 

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