Michelle Pfeiffer- Ouçam-na e vejam-na no ecrã

Se nos envolvermos numa discussão sobre a actriz mais subvalorizada das últimas décadas, não duvido que o nome de Michelle Pfeiffer surja rapidamente. Não se indignem: sim, todos sabemos quem é Michelle Pfeiffer, todos conseguimos nomear alguns dos seus ocónicos papéis principalmente anos 90 e a senhora nasceu com a abençoada genética que a torna não só num foco de atracção, mas também o tipo de tentação pela qual a câmara, em fita ou digital, cai sempre uma e outra vez, sem apelo irremediável. No entanto, isso não é equivalente a valorizar não só o seu talento, mas sobretudo o impacto que teve num período onde uma boa parte das actrizes fizeram opções de carreira muito diferentes das suas. 

 Os começos da Pfeiffer são bem estranhos: estreou-se a sério na sequeça de “Grease”, embora, por confissão própria, tivesse um talento musical muito limitado. O seu desconforto com a falta daquilo a que chamou treino convencional de interpretação passa sempre nas entrevistas que dá. Aliás, o desconforto com qualquer coisa que envolva o seu estatuto de ícone: numa entrevista no talk show de Graham Norton, o seu corpo encolhe-se quando o apresentador passa o excerto de “Uptown funk” em que Bruno Mars a apelida de “white gold”. Dá sempre a ideia que, como Paul Newman ou Brad Pitt, há um actor a sério, de construção de personagem, fora da projecção de um carisma e talentos naturais, preso no corpo e cara de alguém com fisionomia destinada ao estrelato. No entanto, uma das principais habilidades de Pfeiffer é camuflar essa beleza não com próteses ou complementos de maquilhagem, mas através da atitude, da naturalidade: a primeira metade da sua carreira foi passada a interpretar mulheres da classe trabalhadora ou mães: em “The witches of Eastwick” – embora com twist – “Frankie and Johnny” ou “Married to the mob”, usa de técnicas e talentos que não encaixam na imagem que temos da longa linhagem das louras bonitonas; e mesmo quando lhe é pedido que use a sua aura quase de deusa das florestas em “Ladyhawke”, fá-lo sem devorar a direcção de Richard Donner, ou mesmo quando corporiza a virtude em “Dangerous liaisons”.


Quando Pfeiffer decide usar a imagem que lhe projectam, há poucas coisas num ecrã mais capazes de cilindrar como um catrapilo: em “The fabulous Baker boys” e, principalmente, “Batman returns”, ela é inegável. A sua Catwoman é de tal forma dominadora do filme que quase nos esquecemos que o Batman é a personagem principal e desde 1992 que Hollywood tenta arranjar forma de superar o retrato que faz da anti-heroína sem que alguém consiga sequer chegar perto. Por estranho que pareça, é o papel que melhor reúne o que faz de Pfeiffer uma intérprete fundamental: a tímida, perdida, submissa, secretária Selina Kyle a figura nocturna, vingativa no apertado fato de latex são os dois lados de uma actriz que receberia o derradeiro selo de aprovação quando Martin Scorsese a escolheu para fazer par não romântico/romântico com Daniel Day-Lewis em “The age of innocence”. A sua condessa Olenska é um retrato de profunda repressão diferente de todos os os outros que fez: Pfeiffer não tem de esconder a sua beleza, mas algo bem mais íntimo, bem mais profundo: uma ânsia da liberdade de todos os constrangimentos sociais que lhe permitam ser ela própria. É o tipo de triunfo que nas mãos de outras actrizes mais aclamadas a elevaria a um patamar de respeito altíssimo. Mas Pfeiffer sempre foi subestimada. Seja entrando na cultura popular com “Dangerous minds”, “Hairspray” ou a sua participação no Universo Marvel, ou em escolhas menos convencionais que caracterizam muita da sua carreira como “Wolf”, “White oleander” ou “What lies beneath”, talvez seja subestimada, mas Pfeiffer não consegue ser esquecida. 

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