“Nightcrawler”: sangue na água

No início, é desconfortável seguirmos Louis Bloom, o personagem principal do excelente "NIghtcrawler" (de Dan Gilroy, senhor que escreveu um guião muito bom, e o filmou melhor, com destaque para uma perseguição automóvel curta, mas do caraças), enquanto, entre um pequeno golpe e outro, encontra o seu caminho até uma câmara de filmar e os acidentes sangrentos da noite de L.A: de facto, Bloom não tem qualquer qualidade redimível aparente, mostrando sociopatia e uma falta de outro sentimento que não seja a realização pessoal enquanto acelera pelas estradas da cidade em busca do próximo desastre para captar em vídeo e vender a uma estação de televisão. No entanto, quando embarcamos no resto do filme, descobrimos duas coisas: que Bloom é ainda mais desprezível do que pensávamos; e que não conseguimos desviar o olhar de alguém que está disposto a tudo não por dinheiro, não por fama, mas pelo seu derradeiro sonho: ser o seu próprio patrão.

Desde o momento em que sabemos que um sociopata se vai entregar à recolha de notícias, sabemos que vamos assistir a uma sátira dos media; e estamos certos, na sua acutilância e exagero, embora nunca nos deixemos perturbar (representados pela produtora jornalista da em boa hora regressada Rene Russo); mas o que espanta é que o filme seja também uma crítica à América corporativa, que encara o sucesso como o único objectivo, independente de tudo o resto: Bloom é um self made man, que debita aforismos baratos de workshops de empreendedorismo como se fossem pérolas de sabedoria e analisa as pessoas como se lhe estivesse a fazer uma avaliação profissional. Cada indivíduo é um instrumento, um degrau na camingada do sue plano de vida. A crítica rasga o filme como o carro de Bloom na noite, e alguém tão odioso dá oportunidade a Jake Gylenhall para mostrar uma das performances do ano, numa espécie de herdeiro espiritual dos papéis que de Niro fez para Scorsese já há muito tempo: há algo de Rupert Pupkin neste homem iludido e com desejos de grandeza, que tem meia dúzia de objectos e chama-se a si próprio de empresa.

Gylenhall raramente pisca os olhos e tal como MacConnauhey no ano passado, a sua perda de peso é um pormenor: está tudo na intensidade dos olhos, na maneira como nos perscrutam e de como analisam a cena à procura de todos os ângulos e pormenores macabros que possam vender, sem qualquer respeito para com vítimas ou para com a verdade. É jornalismo: if it bleeds, it leads; e o coiote da câmara de filmar é líder da matilha 

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