“Sicario”: os fora da lei
Eu devo ter sido das pessoas que menos se entusiasmou com "Prisoners", de Dennis Villeneuve. Não necessariamente mau, penso que estragava o seu potencial com uma metáfora tão directa que chamar-lhe metáfora é, em si, uma metáfora da falta de subtileza. "Sicario, o seu filme mais recente, abdica de metáforas e lança-nos directamente no terreno do pântano moral, onde o certo e o errado são pormenores na vida de quem lá nada e tudo na vida para aqueles que acabaram de mergulhar. Tendo como pano de fundo o combate aos cartéis da droga mexicanos (naquele que deve ser um dos conflitos mais mortíferos do mundo, que não tem as parangonas devidas porque corpos enterrados ou emparedados têm menos visibilidade do que gente a boiar no oceano), coloca-nos com uma agente do FBI, Kate, especializada em missões de resgate, que se vê envolvida com uma task force manhosa quando descobre dezenas de cadáveres numa casa no Arizona.
O território é a fronteira: a fronteira entre dois países, a fronteira entre duas noções de justiça, a fronteira entre a civilização e a selva, a fronteira entre o céu crepuscular e as trevas da Terra. Kate é levada numa viagem ao outro lado e "Sicario" é um potente thriller, com uma noção de ritmo em banho maria, gente ambígua e nas sombras, disposto a destruir as nossas concepções de combate ao crime numa vista a Ciudad Juarez, terra dos massacres, para nos continuar a perguntar durante o filme: quando se encontra o extremo do horror, o que fazer para combatê-lo? Há grandes performances encontradas aqui, entre uma Emily Blunt que não faz d euma mulher forte uma parangona feminista e um Benicio del Toro reptiliano, humano no limite, um homem sem alma e que a perdeu por tê-la em demasia. É uma das grandes performances do ano, e não vai chegar aos Óscares, infelizmente.
O filme, apesar da relização segura de Villeneuve, é dominado pela direcção de fotografia de Roger Deakins, filmando o Oeste americano como se estivesse nos desertos do Médio Oriente, o que é apropriado, pois é de terror que se trata. Dois planos ficam na retina, talvez para o top de melhores do ano: num, em câmara nocturna, militares descem aos subterrâneos para combater um inimigo invisível, filmados como se fossem fantasmas; e noutro, que representa o filme, os mesmos soldados são filmados contra o ocaso, sobras que desaparecem na escuridão do que não vemos, dissimulados como reflexos na água escura. Como homens sem vida, como quem perde o que tem. Como sicarios