Ricardo Darin - El Chino
É praticamente impossível separar a trajectória do cinema sul-americano deste século da do actor argentino Ricardo Darin. Participou nas quatro nomeações do seu país ao Óscar de melhor filme estrangeiro, em três delas como produtor e protagonista, e a sua carreira envolve outros êxitos como “Nueve reinas” ou “Carancho”. O que é curioso é que Darín aparece nos radares internacionais relativamente tarde na vida, já com percurso feito desde a década de 60 nos palcos e ecrãs do seu país, mas o largo mercado latino-americano de fala castelhana leva-o a ser lentamente uma daquelas faces que atravessam as fronteiras do país das pampas e a cruzar o oceano tendo sucesso Espanha com várias nomeações aos Goya e um prémio de carreira no festival de San Sebastian.
No entanto, como qualquer boa vedeta do cone sul, a carreira de Darín começou em telenovelas. O seu óptimo aspecto tornou-o recorrente em jeito de galã de novelas e foi na televisão que também descobriu algo que viria a ser uma das ferramentas mais utilizadas até em dramas que mais tarde interpretará: um timing cómico tremendo que desarma qualquer expectativa que temos numa cena. É essa velocidade e instinto que o tornaram no protagonista de “Nueve reinas”, thriller criminal de Fabio Bielisnki que segue dois ladrões de baixa monta num filme de baixo orçamento, câmara sôfrega e imediata, dependendo da rapidez de pensamento dos actores. Muitas cenas foram filmadas de improviso em ruas de Buenos Aires e onde Darín, que interpreta o mais veterano dos bandidos, conduzindo um novato pelos labirintos de uma Argentina em derrocada económica, comunica o desespero convenientemente. Tornou-o numa estrela: foi tão convincente como aldrabão que, conta Darín, ainda hoje quando passeia em Buenos Aires, se algum bandido parte para abordá-lo, recua logo, exclamando “Não, não, que esse sabe os truques todos!” No ano seguinte, mostra o quão versátil é num sucesso completamente diferente. “El hijo de la novia”, de Juan José Campanella, realizador com quem trabalharia recorrentemente, puxa o seu lado mais terno, mais romântico, mais terra a terra, um filho que tem de cuidar da mãe que entra num irreversível processo de demência. O sucesso de bilheteira traduziu-se na aclamação de Darín e protagonismo na cena cultural argentina como ícone, reforçado pela nomeação do filme ao Óscar de Filme Estrangeiro.
Nessa década, Darín faz escolhas curiosas. Uma contou-a numa entrevista anos mais tarde, quando fala de recusar um papel dem “Man on fire”, de Tony Scott. Recusa-se a cair no esterótipo de actor latino em Hollywood, já que o esperava o papel de um traficante de droga mexicano. Um homem de família, quando o realizador Tony Scott recusou que Darín passasse umas semanas com a família na Argentina, depois de uma temporada de teatro em Espanha, o actor descobriu logo que Hollywood não era para si. Darín, cujo posicionamento político é por vezes radical socialmente falando – embora se recuse identificar abertamente com esquerdas ou direitas – não se preocupa com idas ao estrangeiro. Uma vez foi aos Óscares e diz que lhe bastou. Essa vez foi com “El secreto de sus ojos”, espantoso exercício de memória da história recente do país. É aí que Darín mais gosta de exercer o seu capital de influência, no seu país, em papéis que não o enjaulem. As suas ambições não são de estrelato internacional, mas é inevitável que este o chame. O seu talento para transformar de imediato qualquer personagem em alguém absolutamente identificável, independentemente de tempo, espaço e funções, é um dom extraordinário. Darín nunca se deixa dominar ou leva a sério a actuação como Arte. Para ele, é reacção, recriação e identificação. Todos os seus homens são, no fundo, banais, excepto quando a história lhes pede que se ultrapassem. Mas é essa banalidade, essa normalidade que nos atrai a vê-lo uma e outra vez. Os homens banais na sua aceitação da derrota, na fúria contra o quotidiano, no lamento do que já passou e não volta e talvez volte.
Os filmes de Darín são a história argentina dos último quarenta anos e é tentador vê-lo como o retrato do seu próprio país das suas gentes. “Relatos selvajes”, colectânea de seis histórias de vingança, reflecte a vida argentina desde a opressora burocracia estatal até às contas mal ajustadas com o passado da ditadura. Algo que, claro, é o tema central de “Argentina 1985”, sobre o primeiro julgamento dos ditadores e participantes nesse período tenebroso do país. “Luna de Avellaneda” cruza o declínio económico com a paixão doente de um adepto pelo seu clube de futebol. “Um conto chino” coloca-o como homem derrotado pela vida em confronto com as pequenas manis do Estado que impedem os cidadãos de viver uma vida normal. Um homem extraordinário que dá vida extraordinária a homens comuns. O poder de Ricardo Darín, o argentino sem tangos.