Anna Magnani - Cair sempre de pé

Nasceu em Roma, morreu em Roma e foi da cidade romana um ícone cultural tão importante que lhe chamaram “A loba”, referindo a lenda fundadora da cidade. Como se dela brotasse a vida que encheu o Renascimento do cinema italiano nas décadas de 40 e 50. Trilhou os seus inícios de carreira cantando nos bares da capital italiana nos anos 30, quando entra pelo cinema num pequeno papel num drama histórico. É em 1945, no entanto, que explode no grande ecrã na seminal obra neo-realista de Roberto Rosselini “Roma, cidade aberta”.  Nas ruínas da Cidade Eterna, Magnani interpreta uma mulher encostada à parede pela vida, que tenta gerir durante a ocupação nazi, grávida, apaixonada por um notório membro da resistência. Boas raparigas sempre quererão maus rapazes. A cena final do filme em que Magnani, perseguindo a carrinha onde levam o seu bad boy para ser executado, é um dos finais mais conhecidos, e trágicos, da História do Cinema. Mas todo ele é construído durante o filme prévio na forma como Magnani enche o ecrã como um vulcão permanente, a fervilhar de lava até às bordas da cratera do desespero. O filme transforma-a na personificação da mulher de classe trabalhadora apaixonada, lutadora, cercada por todos os lados de problemas, mas capaz de reunir forças para lutar contra tudo. De certa forma, é algo que Magnani conhecia plenamente das suas origens humildes.



No entanto, a romana que veio do nada começa a acumular prestígio em obras como “L’amore”, “Belissima” e numa aventura internacional no cinema francês, “Le carrose d’or”, onde o realizador Jean Renoir se arrebata chamando-lhe a melhor actriz com quem tinha trabalhado. Os estúdios americanos reparam nela e numa altura em que se preenchem de talento europeu que fugira da Europa durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente cineastas e actores de origem judaica, Magnani chama a atenção. O que é, digamos, estranho. A actriz estrela da Hollywood dos anos 50s era elegante, estatuesca, um modelo de classe e atracção, sexy sem ser demasiado sexual. Magnani é uma mulher comum, olhos que contêm toda a miséria do mundo, uma energia desmesurada no ecrã, formas de matrona que teve filhos e uma vida fora dos plateaus. O neo-realismo italiano, com o seu estilo documental, amor à verdade e foco nas histórias dos mais pobres, era o contraste da estética estilizada e representação formulaica habitual no cinema americano. Magnani era Rocky, as actrizes americanas Ivan Drago.


No entanto, Magnani era a imagem de falhanço como Hollywoodo definia: humana atingível  e real, o que naqueles tempos era como se fosse um efeito especial nunca visto em filmes. O dramaturgo Tennesse Williams desenhou-lhe um papel em “A rosa tatuada”. Embora tenha recusado representá-lo no teatro, na Broadway – devido às suas dificuldades com o Inglês – aceitou entrar na versão cinematográfica de Daniel Mann. O subtexto sexual pouco subtil da peça abusa muitas vezes o que era permitido nos filmes americanos e Magnani, que tem Burt Lancaster como parceiro do ecrã, constrói uma combustível relação no ecrã com o homem com corpo de artista de circo, a montanha muscular quase sempre vista do desejo da Serafina. O estilo visceral de Magnani foi uma revolução e tornou-a na primeira italiana a receber um Oscar de Melhor Actriz, abrindo a porta a actrizes compatriotas, mas com muito mais glamour, como Sophia Loren. Voltaria ao cinema italiano para trabalhar com, entre outros, Pasolini em “Mamma Roma” e embora não hoje tão lembrada como outras divas e musas italianas do período, Magnani continua a ser uma referência e um ícone da capacidade de sobrepor convenções com a força real de um talento inegável 

Anterior
Anterior

“The night of the hunter” - As mãos de Deus

Próximo
Próximo

Tony Leung Chiu Wai - Pequeno grande Tony