“Battle of Algiers” - Esmagar uma rebelião é como fazer um dique no oceano
"The battle of Algiers" não é apenas um filme do caraças. Tornou-se importante e influente na História do Cinema. Encontramos marcas suas em filmes tão díspares como "Traffic" e "Black Hawk down", ou até mesmo "Do the right thing". É impossível conceber o trabalho de Paul Greengrass sem o mesmo, e outros realizadores que comentam o quanto se sentiram inspirados por esta potente mistura e cinema verité e engagé são Oliver Stone ou Julian Schnabel. É curioso, porque durante algumas décadas este foi um filme conhecido apenas nalguns círculos mais académicos e como uma curiosidade dos Óscares, ao ser nomeado nas categorias de filme estrangeiro, realizador e argumento, mas em anos diferentes.
O que torna isto espantoso é o seu conteúdo, explicitando a revolta com uma franqueza que se equipara ao seu estilo quase documental. O realizador Gillo Pontecorvo justifica o uso do terrorismo como meio útil para atingir um fim, se este for tão importante quanto a liberdade ou a auto-determinação. A famosa crítica Pauline Kael escreveu que este era um filme que conseguia convencer a classe média norte-americana da necessidade de se matar pessoas inocentes com bombas. Fá-lo sem lirismo, e se bem que inspirado pelo romantismo independentista da década de 60, nos sonhos dos países não-alinhados, um movimento colonialista que se queria como alternativa à bipolaridade de um mundo de Guerra Fria, a formação de jornalista de Pontecorvo aguça a narrativa do filme e transforma-o numa aula. "The battle of Algiers" foi escrito na prisão por um dos líderes da FLN (Front de Liberation Nationale) e é metódico na elaboração dessa guerrilha, cada passo, cada teste, cada estratégia. Somos representados no filme por Ali Lapointe, um pequeno larápio que se junta à FLN depois de cenas de tortura que vê na prisão. É um compósito de todos aqueles argelinos de classes baixas que decidem erguer a sua voz. Ele é as ruas da cidade, aqueles que no centro histórico de Algiers, a Casbah, toda a vida viveram na sombra dos ricos bairros de europeus. No momento em que toma as armas, percebe-se que é algo de imparável.
Gillo Pontecorvo foi claramente influenciado pelo documentarismo e também o Neo-realismo italiano, principalmente as obras "Roma: cidade aberta" e "Paisá", realizadas no mesmo estilo despojado e directo, com carga política inerente e decorrente do sofrimento humano. "The battle of Algiers" parece tão real em certas alturas que as primeiras cópias chegavam com um aviso: nenhuma das cenas do filme fora retirada de reportagens ou sequer filmada nos momentos que retratava. tendo em conta que a sua estreia se deu poucos anos depois dos eventos que documenta. É compreensível, para mais quando algumas cenas parecem, de facto, realidade. Quando as bombas rebentam, são visíveis os estilhaços a voar para cima de figurantes e actores, e quando se trata de filmar multidões, tudo é feito num caos controlado, numa realidade aparente, mas coreografada (na verdade, o realizador riscou com giz no chão as linhas que não podiam ser ultrapassadas pelos fictícios manifestantes. Filma-se de câmara ao ombro, num preto e branco granulado reminiscente do jornalismo de guerra e deitam-se pela janela regras básicas da gramática cinematográfica. Fora com planos de pormenor e grandes planos, aceite-se o imediatismo da imagem filmada na rua, de se apagar a barreira entre ficção e realidade, e se funcionar como jornalismo, quando a câmara avança pela linha que separa os manifestantes da políca, mas sem nunca ultrapassá-la.
É por isso que nnunca sentimos o seu tempo, o seu confinamento de época histórica: é real e presente em permanência. Tal é reforçado pelo facto de os actores serem amadores, com excepção de Jean Martin, que interpreta o coronel Mahtieu. Pontecorvo não procurou talentos, mas sim caras, e encontrou em Brahim Haggiag os traços do fogo da revolução, de alguém para quem a violência é o primeiro e único meio e para quem a liberdade é fogo e uma pistola. Ele é raiva e sofrimento e representa o argelino comum. Tendo sido financiado precisamente pelo recém-independente governo argelino, "The Battle of Algiers" quer justificar os meios violentos de vitória através do descontentamento com o Ocidente. No entanto, pelo ênfase dado aos crimes de ambos os lados, e por muito que o seu coração esteja com a causa argelina, Pontecorvo é claro no juízo moral que ambos os lados terão de enfrentar. Isso torna-o não num propagandista que alguns viram, mas sim num artista preocupado, engajado, mas não sem uma clara noção do objeco que retrata.