Christopher Lee - O conde que mata Cristo
Descendente por parte da mãe de uma família nobre italiana, Sir Christopher Lee nasceu em 1922. Antes de iniciar uma vida à frente das câmaras que duraria quase setenta anos e onde participaria em 350 filmes, alguns deles sem ser creditado, Lee entrou para a força aérea britânica aos 17 anos e passou a sua juventude em colégios, com uma educação clássica. Segundo consta, era um excelente jogador de squash, um esgrimista capaz de fazer empalidecer Zorro e ainda praticava hockey e rugby. No início da Segunda Guerra Mundial, ainda antes de a Inglaterra entrar no conflito, já ele andava, como voluntário, na Finlândia a combater nazis. Passando por vários teatros de operações, Lee entrou para as brumas da lenda quando colaborou com o chamado “Ministry of Ungentleman Warfare”, um grupo dentro dos Serviços Secretos britânicos com o único objectivo de confundir e enganar os Nazis usando meios de propaganda e guerra não convencional. Aqui, conheceria Ian Fleming, seu primo e criador de James Bond, e trabalhou pela primeira vez no número 10 de Baker Street, a morada literária de… Sherlock Holmes. Sim, James Bond e Dracula trabalharam juntos na casa de Sherlock Holmes.
Em 1957, arranja finalmente uma oportunidade no estúdio que o tornaria icónico: a Hammer, produtora britânica de cinema de terror, que considerou a sua estampa física a ideal para interpretar a criatura de Frankenstein. Conheceria neste filme Peter Cushing, outro actor inglês icónico do género, com quem trabalharia noutros vinte filmes. Os dois desenvolveram uma amizade tão próxima que ao comentar a morte de Cushing, Lee disse na altura “Peter morreu, e ninguém me convence do contrário, porque era bom demais para este mundo”. Na Hammer, Lee tornou-se numa figura de charneira, interpretando criaturas monstruosas, reais e imagináras: a Múmia e Rasputine, chegando mesmo a ser Sherlock Holmes, e o irmão, Mycroft, em filmes diferentes. No entanto, o papel mais marcante deste período é, sem dúvida, Drácula, que interpretou numa série de filmes, fossem de terror ou comédia. A sua postura e fisicalidade precisas, mecânicas, combinadas com uma voz de barítono a cantar hipnoses com as palavras, e um olhar que atravessa a espinal medula do espectador transformaram o papel de Dracula num ícone da história do cinema. O seu estilo de representação casava na perfeição com a teatralidade barroca, sem exageros, mas com um tom operático, da Hammer. Viria a trabalhar aqui com um dos realizadores que melhor serviu o seu talento: Terence Fisher, que o dirigiu nos seus melhores filmes como Drácula e também uma pequena pérola chamada “The devil rides out”.
Nunca se escusando ao cinema mais de série B (de onde se destacam obras para outros estúdisos como uma série de filmes onde interpreta Fu Manchu), é na década de 70 que se torna verdadeiramente icónico. Em primeiro, com “The wicker man”, o seu filme preferido; em 1973, interpretando o conde de Rochefort, vilão em “Os três mosqueteiros”, filme com Oliver Reed e Charlton Heston; e em 1974, o esplendor da demência com o Bond “The man with the golden gun”, e, descobrimos depois, três mamilos: Francisco Scaramanga, atirador exímio de origem portuguesa que atrai os melhores agentes secretos do mundo para um jogo mortífero na sua ilha privada. Apesar dos valores de produção, Lee deve ter achado a história ridícula muito familiar, e que não destoaria dos filmes de baixo orçamento onde fazia uma perninha. No final da década, mudou para os EUA, tal como os seus amigos Cushing e Vincent Price, com medo de ficarem para sempre enclausurados no género de terror. Na década de 90, a sua carreira tem um renascimento, devido a realizadores fãs de Terror que cresceram fascinados por ele: primeiro, Joe Dante, em “Gremlins 2”; depois, Tim Burton (o seu realizador preferido), que o colocaria em “Sleepy Hollow” como um austero pai de Ichabod CRane, e com uma colaboração entre ambos que duraria mais três filmes. No século XXI, marca a sua presença entre novas gerações de cinéfilos como Saruman, na saga “The lord of the rings” e como Count Dooku, em “Star Wars, que basicamente lhe renovam a imortalidade. O seu Saruman é um objecto curioso por várias razões, não sendo a menor o facto de ter sido o único elemento do elenco da trilogia a ter conhecido Tolkien pessoalmente! A experiência era tal que deu conselhos sobre cenários e vestuário, tal a maneira como conhecia a obra. Para além disso, ainda ensinou Peter Jackson o som exacto que alguém profere quando leva uma facada. A sua experiência na Segunda Guerra Mundial estava mesmo à mão. O que fica de Christopher Lee é a lenda, uma espécie de sensação de ser um daqueles personagens avúnculos sobre os quais se contam histórias à lareira. Lee é um ícone verdadeiro: único, duradouro e marcante. É o nosso legado de cinefilia do século XX, um homem que julgámos imortal, uma presença no ecrã que merece ser passado aos nossos filhos e netos como exemplo não só de actor, como também de classe.