“Her”: output artificial
Depois de um desvio extravagantemente emocional, mas desequilibrado, de "Where the wild things are", Spike Jonze regressa em "Her" à melancolia existencial que fez dele (ajudado por Charlie Kauffman) um dos realizadores mais interessantes a surgir na transição de séculos. E isto são boas notícias: esta obra sobre o romance estranho, mas afinal tocante, entre um homem destroçado emocionalmente e um sistema operativo com a voz sexy de Scarlett Johansson é um triunfo. É difícil ultrapassar a ideia de que o conceito é bizarro e futurista, mas quanto mais fundo corre a emoção que liga o Theodore Twombly de Joaquin Phoenix e a desencarnada Samantha, de Johansson, mais fica a ideia de estamos a lidar com o amor dos dias de hoje, que é medroso, distante e é feito quase por intermediários.
"Her" é um título irónico, porque ela não o é: é apenas uma voz, que projecta os nossos desejos de um parceiro ideal, mas em última instância são apenas bits e bytes, que parecem humanos, mas cuja noção do mundo é virtual. Twombly, a lidar com o seu divórcio, procura empatia e uma maneira de amar sem de facto assumir que as responsabilidades. Twombly ama um fantasma, o fantasma da máquina. Num momento perturbante do filme, e que envolve uma terceira pessoa, percebe-se que os corpos que deambulam hoje em dia procuram alma e emoções alheias, por não se acharem à altura de amar por si mesmos. Joaquin Phoenix é assombroso e brilhante na representação de Twombly, e um momento em particular, de aflição e desapontamento nas escadas de um metropolitano, é tão intenso na concentração da tristeza no olhar quanto a sua loucura à solta pelo corpo e "The master", firmando novamente o actor como um dos talentos maiores da representação norte-americana (como Daniel Day-Lewis, olhem quem, faz sempre questão de mencionar quando surge a oportunidade).
Quando, no fim, Twombly vê a sua escolha forçada, "Her" encontra, talvez, o melhor plano final do ano, capturando na perfeição o que este magnífico filme de Spike Jonze quer transmitir: que no meio da parafernália electrónica, de um mundo que tecnologicamente domina e esmaga e controla, o contacto humano e a faísca entre dois indivíduos, mesmo que tão ténue como a cabeça no ombro de alguém, é que dá sentido e faz com o que mundo se unifique e complete o seu percurso em nós.