Max von Sydow - E olhei para cima e vi um pálido sueco…

É uma das imagens mais marcantes do Cinema como Arte e como expressão das inquietações do ser humano: um cavaleiro medieval, deitado na praia, cansado, contempla a sardónica Morte por sobre um tabuleiro de xadrez. Defronte das agitadas águas do mar, um confronto desenvolve-se; e o cavaleiro, com uma expressão enigmática, uma curiosidade mórbida mas uma ansiedade estilhaçante, observa-a, fugindo, questionando o que existe nela que o atrai tanto. Max von Sydow ficará para sempre com essa herança, o actor que jogou contra a morte, novamente um ícone vindo do frio da Suécia, captado por um Bergman que abre um “Sétimo Selo”. Quando a sua carreira se tornar internacional, outra imagem ficará com o espectador: alto, sombreado, impossível de conhecer no escuro de uma noite que só é quebrada pela luz laminar de um candeeiro, alguém contempla uma casa, as sua sluzes catrapiscando pela janela, convocado por um chamamento milenar, carregando uma pequena mala como se fosse um médico. Ver essa imagem é escutar “Tubular Bells” e sabermos de imediato que aquele homem não é um médico, mas o “Exorcista” que dá título ao famoso filme de William Friedkin. 

Entre Friedkin e Bergman vai a distância de um “Shoah “ de Claude Lanzmann; mas diz muito da versatilidade e até disponibilidade de Sydow que se tenha encaixado em ambos os mundos sem destoar. Sydow é tão capaz de encarnar uma virtude inquestiovável, o que acontece várias fazes na obra do genial sueco com quem trabalhou várias vezes – mas também vilões, como aconteceu nalguns dos filmes que fez nos EUA, como em “Three days of the condor”, “Flash Gordon” ou “Minority report”, vilões que são tão díspares como os papéis de herói que lhe atribuíram. Os atributos de von Sydow como actor residiam obviamente na fisicalidade com que nasceu, com a sua altura e movimentos matematicamente precisos a envergar o histrionismo e a frieza estóica com igual competência. Mas os olhos de von Sydow, quando necessário, pareciam mais profundos do que o oceano escandinavo, como se o verdadeiro drama dos filmes que protagoniza ou nos quais surge apenas como um secundário de luxo se escondesse ali. Fossem os tubarões da maldade ou um cardume de doçura que vai derretendo e revla um bom coração, é sempre através dos olhos que ele comunica. Os seus colse-ups contêm mais intensidade do que algumas cenas de tensão em filmes posteriores onde entrou e os seus melhores trabalhos serão sempre com realizadores que confiam plenamente na sua face para entregar tudo aquilo que só com muita sorte uma câmara consegue captar. 

 É essa habilidade todo o terreno que lhe permitiu receber prémio em Cannes e Veneza ou ser respeitado pela Academia americana; e que lhe deua  oportunidade de trabalhar com nomes como Woody Allen, David Lynch, Martin Scorsese, Rdiley Scott ou até a transitar para as fandims das audiências modernas surguindo em “Game of thrones”. Além do seu excepcional e inegável talento, o que destava von Sydow na História do Cinema é precisamente essa vontade de não se negar, de ser capaz de corresponder em géneros e papeís tão diferentes entre si e sempre sem ter de trair ou quebrar o que fazia de si um enorme actor. Várias vezes classificado até à sua morte como o Melhor Actor vivo, talvez a observação ainda faça sentido: numa entrevista em 2010, quando confrontado com a possibilidade de vida após a morte, contou que Bergman lhe prometera que caso esta existisse o contactaria. Respondendo à pergunta seguinte, confirmou que sim, que fora contactado, mas não elaborou mesmo. Xeque-mate. 

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