Peter Weir - A subvalorização é subjectiva
Pode um realizador com quatro nomeações para o Oscar de Melhor Realização ser subvalorizado? Claro que pode. Vejam o caso de Peter Weir, o genial australiano cuja filmografia inclui clássicos, futuros clássicos, pérolas escondidas e um último filme que data de 2010. Por admissão do realizador, esta profissão tem três fases de vida, como os vulcões, e neste momento a sua é a de extinto. Confirma a reforma de alguém que foi marcando o Cinema quase sem se dar por ele. O seu nome e o seu perfil, discretos, não ficam na boca nem na memória dos espectadores; mas este é o responsável por “Dead poets society”, “Truman show”, “The witness” ou “Picnic at Hanging Rock”, o seu terceiro filme.
É verdade que Weir acabaria por receber, em 2022, um Oscar honorário; mas parece-nos pouco para alguém que, com George Miller, seja talvez o nome mais marcante atrás da câmara na História do Cinema australiano. Ambos fizeram parte de uma Nouvelle Vague australiana de cineastas que na década de 70, explorando não só o colonialismo australiano sobre os aborígenes, mas também os espaços selvagens do país, a violência do outback e as suas capacidades alucinatórias. Gillian Armsrong, Bruce Beresford ou Russell Mulcahy – com backgrounds muito diferentes entre si – foram alguns dos realizadores que saíram deste movimento. Mas também podemos incluir actores como Sam Neill, Nicole Kidman, Mel Gibson, Judy Davis, David Gulpilil ou Bryan Brown. Foi a vaga que colocou o cinema australiano no radar de Hollywood, com todos os seus profissionais a serem tentados, com maior ou menor sucesso, a fazer a passagem para as Américas. As chegadas de Russel Crowe, Guy Pearce ou Cate Blanchett, já nos 90s, cumprem a profecia lançada sobre o cinema australiano, de deixar a sua tendência insular para ser relevante em todo o mundo.
Weir foi um dos primeiros nomes a fazer o salto, principalmente depois de fazer em quase sucessão o misterioso “Picnic at hanging rock” – ou o que Terence Malick faria se alguma vez se dedicasse a tentar construir um whodunit – o épico de guerra “Gallipolli” e “The year of living dangerously”, o filme da sua transição americana que se completa com “Witness”. Ainda não entrámos no zénite da sua carreira e já temos aqui a marca de alguém ecléctico, capaz de misturar um estilo visual vigoroso e adaptável até a diferentes ambientes, juntamente com a capacidade de dirigir actores que o levaria a dar a única nomeação ao Oscar da carreira de Harrison Ford, a descobrir um jovem River Phoenix e também a mostrar o talento dramático de Robin Williams sem muletas de comédia em “Dead poet society” – revelando, ainda no filme, actores como Ethan Hawke, Robert Sean Lonard ou Josh Charles. Weir é um daqueles raros realizadores de instinto artístico mas com capacidades tarefeiras, alguém que se adapta a estilos diferentes, intenções diferentes, até tons diferentes sem perder a sua distinta identidade. “Truman show” é uma sátira distópica e “Fearless”, um drama sobre um homem que se acha invencível, são completamente diferentes, mas partilham a mesma aparente simplicidade de estabelecer mundos ou personagens. Lidar com Jeff Bridges, Russel Crowe ou Jim Carrey numa carreira e extrair deles performances excepcionais mostra o quanto Peter Weir é quase inclassificável ou dfícil de definir em uma ou duas frases. No entanto, o seu foco é quase sempre em histórias dramáticas, que estudam a relação entre os personagens e o mundo que os rodeia, seja ele um facto permanente ou temporário, sejam esse meio físico ou social. Os seus temas centram-se sempre nas linhas não atravessadas que a certa altura um ou mais personagens terão de cruzar caso queiram atingir os seus objectivos, sejam o John de “Witness” ou o Truman do show homónimo. A sua reforma é uma daquelas linhas que não queríamos atravessadas, mas a Weir dizemos “Good afternoon, good evening and good night”.